terça-feira, 25 de maio de 2010

Diálogo

- Já reparou como o tempo é uma coisa importante?
- Ô, se é... Principalmente agora.
- Viu?
- O quê?
- Tua frase.
- Que tem ela?
- Tu relacionou a importância do tempo a um instante de tempo.
- Como assim?
- É, tu disse: "Principalmente agora."
- E tô errado?
- A questão não é essa.
- É o que, então?
- É esse negócio do tempo, cara. A gente relaciona o tempo a tudo; aliás, relacionamos tudo ao tempo.
- Pois é.
- Olha só, a gente usa o tempo pra entender tudo. Deixa eu ver... Ó a escola, por exemplo. Pra gente compreender a nossa sociedade, a gente precisa estudar História, porque pra saber como as coisas são hoje, precisamos saber como as coisas eram no passado, e como e por que tudo mudou.
-Sim.
- Biologia, então. Por que o ser humano é do jeito que é? Pra saber isso temos que entender que tudo foi evoluindo com o passar do tempo, que antes tinha o peixe lá, depois ele foi pra terra e foi se modificando até virar um mamífero.
- Cuida o sinal.
- Até na nossa fala, cara. Pra entender completamente as ideias a gente precisa da noção de tempo. Eu vou, eu fui, eu ía, eu irei...
- É, tem razão.
- E o mais louco é que essa noção é criada pela cabeça do homem. Nós que criamos isso, e usamos isso em tudo.
- É, é incrível como nós ficamos tão dependentes de coisas que nós mesmos criamos, que não existiam antes.
- Certamente. E se for parar pra pensar, nós criamos essa noção, mas nem nós mesmos sabemos direito o que é.
- Não sabemos o que é o quê?
- O tempo, porra!
- Cuidado aí, olha pra frente, pô.
- Tá, tá... Mas quer ver? Me diz aí, que que é o tempo?
- É... É... Pô, é o tempo. Não tem o que dizer, É auto-explicativo.
- Ah, difícil, né... Agora me diz: como é que se tu falar a palavra "tempo" pra uma pessoa, ela entende automaticamente, como se já nascesse sabendo?
- Sei lá.
- É, porque se tu falar "tempo", não é que nem falar "pedra", por exemplo. Uma pedra é um objeto, uma coisa absoluta, não é uma ideia abstrata...
- Não sei... Acho que é a mesma coisa que falar em amor. Tu só sabe o que é e pronto, não dá pra descrever através de coisas concretas.
- Bom, mas há quem não acredite em amor. E um pivete de 11 anos que nunca namorou ninguém, sabe o que é amor sem nem vivenciar? Já o tempo esse mesmo moleque sabe o que é.
- Se ele tem uma família boa, ele sabe que ela ama ele, mesmo que ele ainda não ligue pra porra nenhuma. Vai dizer, essa molecada de hoje só quer saber de jogar jogo no PC.
- Hahá, é verdade.
- E outra coisa: e um bebê de um ano vai saber o que é o tempo?
- Aí é que tá, eu acho que sim, cara.
- Ah, vai se foder.
- Não, espera, deixa eu falar. Eu acho que sim, porque talvez seja uma coisa de instinto. O homem criou na própria cabeça a definição de tempo, mas será que um animal não tem noção de movimento do tempo?
- Pensando assim, acho que sim, né?
- Sim. Olha só. Eu como alguma coisa. Dali a pouco, eu sei que eu tenho que comer de novo. Como é que eu sei?
- Porque senão tu morre, ora.
- Tá, sim, mas digamos que eu sou um animal. Eu não penso. Eu sei que tenho que comer de novo porque o estômago começa a doer de fome, certo? Talvez um animal não tenha uma noção de passagem contínua do tempo, como nós, mas instintivamente ele tem uma noção de mudança de estado. No caso, o estado "sem fome", no qual ele descansa, e o estado "com fome", no qual ele procura alimento. É uma noção de ciclo.
- Tipo aqueles povos antigos lá, os... Hãn... Maias. Os calendários deles eram todos em círculos, por causa dessa percepção de tempo como um ciclo.
- Sério?
- Aham. Ó, vira ali.
- E os caras faziam altas previsões, né?
- Sim, pelo que ouvi por aí.
- Esse tipo de coisa que eu acho muito foda, cara. Olha a capacidade da mente. O cara percebe padrões e usa isso pra prever o que vai acontecer daqui a não sei quantos anos na frente.
- Pois é.
- E o futuro é uma coisa fantástica. Na prática o futuro não existe, só o que existe, a cada intante, é o presente. Mas a gente consegue pensar no futuro de modo a fazer planos pra daqui a vários anos.
- Sim.
- Outra coisa é o limite entre o imprevisível e o previsível. Eu posso até fazer planos, mas não sei nem se ainda vou estar vivo. Mas se eu te disser que daqui a alguns centésimos de segundo eu vou falar mais uma palavra, não só posso te afirmar com certeza que vai acontecer, como de fato já aconteceu. Até que ponto se pode ter certeza sobre o futuro? Ou será que nada é cem por cento certo e tudo são probabilidades?
- É...
- Tá achando muito louca essa conversa, né?
- Eh, não...
- Ah, pode falar, rapá!
- É que é meio sem sentido ficar pensando nisso tudo.
- Ah, mas esse é o principal problema das pessoas hoje. Elas não pensam nisso. Aliás, elas não pensam. E sabe por quê? Justamente porque quando elas pensam elas chegam à conclusão que nada faz sentido.
- Tá dando uma de filósofo agora? Vai ter que parar de fumar bagulho antes de trabalhar, hein...
- Típica resposta de quem tá perdendo a razão.
- Tô perdendo nada, tu é que tá viajando demais.
- Pára pra pensar um pouco, cara. Não tem um pouco de verdade isso que eu tô falando, que as coisas não têm sentido?
- A vida tem sentido. É ser feliz. Ou tentar, pelo menos.
- Ah é? Pensa no que te faria feliz. Por que te faria feliz? Porque alguém antes já definiu que é isso que faz as pessoas felizes? Melhor ainda, o que é felicidade?
- Só pergunta difícil, hein.
- É aquilo que eu disse antes. A felicidade, assim como o tempo, é uma ideia criada pelo homem pra tentar dar sentido pra vida, porque ele não se conforma que as coisas não tenham sentido nenhum de existirem. Olha os animais de novo, cara. Eles só nascem, comem, bebem, crescem e morrem, mas antes procriam, só para acontecer de novo a mesma merda até o fim dos tempos, se é que haverá um. Qual o sentido disso?
- Talvez nada tenha sentido mesmo.
- Exato. Qual o sentido de estarmos fazendo isso aqui? Apenas atrasar o curso "natural" de acontecimentos, que gerarão acontecimentos, que gerarão mais acontecimentos num ciclo que sabemos que não tem fim.
- Aos olhos de um "ser maior", sim, mas para uma pessoa pode ser o presente de continuar desfrutando da "falta de sentido" da vida dela.
- O que dá na mesma, já que não tem sentido nenhum mesmo.
- Hahahá, tu não tem jeito... Putz, é ali. Pára logo aí.
- Pensando bem, cara, acho que às vezes é bom dar algum sentido à vida. Senão pode dar nisso.
- Tira essa merda de cinto e vai me ajudar a pegar a maca de uma vez!

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