Eu me considerava uma pessoa
gentil até certo ponto; quando ajudava ou agradava pessoas, acredito que o fazia
independentemente de qualquer fator. Confesso que ajudo muito mais as pessoas
do meu convívio do que estranhos, mas às vezes dou um pacote de bolacha para
menino de rua, junto do chão um pertence que alguém derrubou sem querer, doo roupas
e brinquedos antigos, empurro o carro para fazer pegar, ajudo a carregar algo
pesado, etc.
Entretanto, meu pai relatou a
seguinte experiência quando ele passou uns dias em Londres: certo dia, no
metrô, viu uma senhora carregando uma mala bem grande escadaria abaixo, a qual,
julgou ele, estava tendo dificuldades. Ele se aproximou e ofereceu ajuda, mas
no momento em que ia se curvar para pegar a alça da mala, a senhora fez cara
feia e recusou veementemente a ajuda. Pelo que pude supor da situação, ela deve
ter se sentido ofendida, pois oferecendo ajuda, era como se meu pai estivesse
dizendo implicitamente que ela não era capaz de carregar a mala sozinha. Podia
ser que ela realmente não estivesse com dificuldades, mas meu pai não é muito
de ajudar estranhos, então provavelmente não se ofereceria se não tivesse
identificado claramente a dificuldade da senhora. Minha mãe estava junto, então
ela pode ter intimado meu pai a ir ajudar a senhora, mas não quero ficar
divagando sobre qual era a situação exata, até porque eu não estava lá e nunca
vou poder saber o que aconteceu de fato.
O ponto é: acredito que meu pai
tenha sido mal interpretado pela senhora. Era uma questão de ser gentil, mas
ela pensou ou que ele a estava chamando de “velha fraca decadente”, ou que ele
estava sendo cavalheiro, e portanto machista, se entendi bem o texto.
Desde que soube dessa história,
em certas ocasiões passei a tomar uma posição de não ajudar nem ser gentil com
as pessoas para não ser mal interpretado da mesma forma que meu pai foi. Ou
então o fazia de forma tão discreta que não daria a entender que era eu quem
estava ajudando: quando não havia nenhum assento disponível no ônibus e notava
que havia entrado uma pessoa de idade, um deficiente ou uma gestante, eu me
levantava e me afastava do lugar onde eu estava sentado um pouco antes de
aquela pessoa se aproximar, de forma que ela visse com antecedência o lugar
livre e o ocupasse. Às vezes dava errado, pois outra pessoa qualquer se apressava
mais e tomava o lugar que eu havia liberado. Talvez fosse um pouco de covardia
da minha parte em não querer ser julgado pela minha ação, seja positiva ou negativamente,
e portanto eu deixava a gentileza à mercê do acaso, me excluindo de qualquer
possível responsabilidade. “Se outro espertinho se apressou e sentou no lugar
daquela velha, não é culpa minha.”
Especialmente quando se tratava
de fazer uma boa ação a mulheres em geral, essa paranoia se acentuava mais
ainda: não ajudava com malas, não abria a porta do carro nem segurava a porta
num local público, não cultivava o “primeiro as damas”, não oferecia qualquer
tipo de auxílio ao perceber um problema. O que é mais louco é que eu segurava
sim a porta para homens, por exemplo, e também sempre carregava as malas da
família junto com o chofer ou com o funcionário do hotel em viagens. Devia ser
meu subconsciente dizendo que nestes casos estava tudo bem, pois não havia
nenhuma forma de ser considerado como machismo. Certa vez quando estudava
Matemática Aplicada (uma disciplina de 4º semestre das Engenharias na UFRGS),
me recusei a explicar a matéria mesmo depois de a guria ter mencionado ter
dificuldades em compreender. “Ah, vai estudar, pô. Isso aí é preguiça de ler a
apostila, isso sim. Não tem como não ter entendido se tu tiver lido direito.”
Hoje em dia vejo que essa
minha reação naquela vez foi definitivamente extremada e insensata. Mas de
algum modo, também é uma paródia ao comportamento de algumas “feministas”
extremistas (entre aspas porque não exercem de fato a ideologia feminista da
forma como ela é caracterizada, e apenas enxergam machismo em tudo, parece até
aquelas teorias conspiratórias malucas dos Illuminati ou dos reptilianos), que
certamente existem por aí também.
Acho que minha visão é mais relaxada
e desprendida atualmente. Eu achava que entendia o feminismo, e para mostrar
para mim mesmo que me preocupava, não fazia gentilezas para não ofender ou
menosprezar as pessoas, em especial as mulheres. Hoje penso que isso era apenas
uma espécie de cavalheirismo às avessas bizarro, que só contribuía para um
mundo mais frio e individualista. Atualmente eu seguro a porta e ajudo a
carregar as malas sim. Se a pessoa gostar, gostou; se não gostar, dane-se. Só
que não pago a conta sozinho, nem ofereço meu lugar no ônibus (continuo usando
aquele esquema de levantar antes).